Este fim de semana foi terrível. Passamos pela perda de um amigo próximo devido ao trânsito violento do nosso país. A perda é terrível. Pela violência e banalidade como ocorreu mais terrível ainda. O domingo foi um dia terrível, um dia de dúvidas, um dia de não querer acreditar, um dia de querer ajudar e na verdade não ter o que fazer. Difícil pensar em algo… Para quem não sabe o ciclista Dermeval Filho, morto em um acidente terrível neste domingo fazia parte do nosso grupo de pedal. Dermê, como era conhecido foi assinado por um motorista que invadiu o acostamento da rodovia Anhanguera de forma irresponsável e o atropelou.

Nesta segunda-feira, passados os primeiros momentos de desanimo e tristeza começamos a pensar em tudo o que se passou com mais calma. Como seguir adiante? Como prosseguir com nossas vidas? Obviamente é impossível seguir como se nada tivesse acontecido. Eu tenho diversas dúvidas… Muitas filosóficas: o que fazemos aqui?, quais os desígnios de Deus para nós? de onde somos, para onde vamos, o que fazemos? Outras mais práticas: como podemos ter um trânsito mais seguro? como podemos fazer que a morte de nosso amigo não tenha sido em vão? como fazer do nosso mundo um lugar melhor?

As perguntas são muitas. O que mais pesa em tudo isso é que nosso amigo Dermê estava fazendo o que todos nós ciclistas fazemos. Passamos nossa semana inteira no trabalho se preparando para um fim de semana de vento na cara. Nosso divertimento é simples: momentos ao ar livre, gastar umas calorias (para depois poder consumir tudo na próxima barraca de pastel ou na próxima padoca), o suor pela cara, aquela cokinha gelada… Dermê foi privado de tudo isso, e o que mais choca é que poderia ser qualquer um de nós. Será que nós, frágeis ciclistas não temos o direito de sair? Me fiz a pergunta diversas vezes. E a conclusão que cheguei é que não faz diferença se somos ciclistas ou não. Na semana passada na Vila Madalena um idoso foi morto por um carro participando de um racha, na semana passada um motorista cheio de pontos na carteira e com um problema de saúde não informado às autoridades atropela diversos pedrestes em Copacabana, na mesma semana passada um ciclista foi morto na Anhanguera por um ônibus que invadiu o acostamento, de novo sem prestar socorro.

Nós estamos todos nesse balaio. Motoristas, caminhoneiros, motociclistas, ciclistas e pedrestes: todos estamos expostos aos mesmos riscos. O Palio que acertou nosso amigo, poderia ter acertado um veículo com pneu furado, poderia ter atropelado um pedestre indo tomar seu ônibus, podia ter acertado um caminhão. A nossa imprudência e inconsequência afeta a todos e expõem todos aos mesmos riscos. Um piloto de avião tem protocolos que segue antes de cada voo, durante os momentos em que está pilotando tem atenção total ao voo. Porque não fazemos isso quando dirigimos? Porque achamos que somos bons o suficiente para achar que podemos mandar mensagens, olhar o GPS, pentear o cabelo e dirigir sem que a qualidade de nenhuma das atividades seja afetada? Porque não damos a mesma atenção aos preparativos de uma viagem de carro que um piloto de avião? Se preparar para dirigir e garantir que estamos 100% em condições de dirigir de forma segura é mínimo que se deve fazer.

Pedalar é um ato que nos transforma de muitas formas. Desde que comecei a pedalar intensamente em São Paulo percebi o quanto a atenção total e exclusiva ao trânsito é fundamental. Desviar o olhar para qualquer outro lugar que não o trânsito pode significar um atropelamento, queda ou outro acidente. O fundamental a entender aqui é: isso não é exclusividade de pedalar. Quando estamos no carro nos sentimos mais seguros: não estamos próximos do asfalto como um motoqueiro ou um ciclista, o ar condicionado nos isola do barulho e dá conforto térmico, o fato de estarmos sob quatro rodas, nos dá mais segurança. Isso dá a sensação de que podemos dividir nossa atenção, que podemos fazer várias coisas ao mesmo tempo. É só uma sensação. A realidade é bem diferente. A realidade é que ainda devemos dar atenção única e exclusiva ao trânsito.

O fato de sempre termos feito algo, não significa que é certo ou seguro. O fato de muitas pessoas se gabarem de que “falam ao celular há 200 anos e nunca aconteceu nada”, não quer dizer que não vai acontecer. Principalmente você consegue quantificar quantas vezes quase aconteceu um acidente? Muitas vezes a distração com o celular ou o baixo nível de consciência devido ao álcool faz com que as pessoas nem percebam o quão perto de um desastre chegaram.

Dessa forma, para mim, a tragédia é uma sequencia de inúmeras coisas erradas. Uma pessoa que não tinha condições de dirigir. Uma lei muito branda que acaba por proteger quem mata ao volante. Um sistema de monitoração falho, que não consegue identificar irregularidades ou imprudências antes que elas se tornem um acidente. Sigo pensando que enquanto não exigirmos mudanças gerais nosso trânsito será esse caos absurdo cheio de estatísticas dignas de uma guerra.

Mudar a lei é importante? Sim, é. Vai resolver? De forma alguma. É necessário um esforço conjunto de vários níveis da sociedade. A lei precisa punir exemplarmente quem se comporta de forma inadequada ao voltante, mas se não houver fiscalização não serve de nada. A rodovia Anhanguera é um verdadeiro Big Brother de tantas câmeras e ninguém conseguiu interceptar o motorista. Foi necessária uma denúncia anônima no dia seguinte para identificá-lo. A sociedade também deve se conscientizar. Não adianta de nada querer leis, exigir fiscalização e ficar reportando o local das blitz da polícia no Twitter. A sociedade somos todos nós. Se queremos que algo mude, temos que todos mudar. Hábitos antigos tem que mudar.

Caso não tenhamos um esforço conjunto, situações como a do nosso amigo continuarão acontecendo e será uma questão de tempo até que a estatística chegue muito próxima a nós ou que nós mesmos viremos estatística.

Se algo me conforta nisso tudo, é que Dermê estava fazendo o que gosta. Estava praticando a sua paixão. Muda alguma coisa? Não. Torna o crime mais ou menos grave? Não. Dermê agora está pedalando em estradas sem carros, que ele tenha muita luz e que Deus nos dê forças para seguir com as nossas vidas. Só queremos voltar vivos para nossas casas. Acredito que isso não é pedir demais.

Deixo aqui uma foto de nosso amigo em homenagem à sua vitalidade e ao seu”estar de bem com a vida”: sorriso no rosto, sua companheira ao lado, pés de meia sobre o asfalto, sem se preocupar com sujeira ou qualquer outra coisa. Que esse sorriso esteja sempre em nossos corações.

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7 respostas para ‘A morte atingiu nosso grupo… Trânsito e violência, onde vamos parar?

  1. Um belo texto, uma bela análise, façamos belas reflexões a partir deste texto. Parabéns pela iniciativa Igor Simões.

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  2. Obrigada pelo carinho com a minha família, mas continuo triste em saber q a morte do meu primo não será a última, pior ainda é ter a certeza q cidadãos como esse q atropelou meu primo pq estava cansado saindo de um baile funk continuaram saindo pela porta da frente de uma delegacia.

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  3. Ótimo texto, ótima reflexão, triste realidade primo. Que Deus ilumine vosso amigo e todos os ciclistas!!!

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