Vai tranquilo, é tudo plano!

Bom, depois da descida do vulcão e do reabastecimento, era hora de encarar a estrada, cerca de 60km até Puerto Montt. Essa rota seguiria quase que na totalidade ao redor do lago Llanquihue, portanto uma rota bastante plana. Mesmo com toda a carga na dianteira da bicicleta achei que não haveria problema e chegaria logo em Puerto Montt.

Essa parte do trajeto está bastante tranquila. A estrada é bem movimentada mas, conta com uma ciclovia super conservada durante toda a extensão do acostamento. asfalto liso, bem distante do tráfego, muito bom de pedalar. A única exceção foi a região da Playa Los Venados, que estava cheia de carros em cima da ciclovia, felizmente esse foi um trecho de cerca de 2 km somente e tudo voltou ao normal em seguida. Comecei a rota fazendo um ritmo bom e fui ficando mais otimista de que meus planos de chegar a Puerto Montt em horário comercial dariam certo.

O roteiro original era chegar a Puerto Montt, passar num mercado para me abastecer e seguir para o porto onde às 23:00 eu tomaria um barco para El Chaitén. A região de El Chaitén é bem remota e qualquer problema com a bicicleta seria bem complicado, então a minha ideia era passar numa bicicletaria antes para comprar um bagageiro, redistribuir a carga e seguir. Puerto Montt é uma cidade grande, se eu chegasse em horário comercial, daria certo, apesar de estar com prazo bastante apertado.

Depois de algumas horas rodando pela estrada comecei a ver que mais uma vez meus planos teriam que mudar. O vento, comum na Patagônia, estava inclemente. Vinha forte, pega a bicicleta em cheio de lado, e em diversos momentos eu precisei parar para não cair. Quando vinha de frente, era horrível segurava de mais o rolê e parecia que não sairia mais do lugar.

Para aliviar esse sofrimento, essa região nos presenteia com paisagens muito bonitas. As diversas vistas do Vulcão Osorno ao fundo, agora tão distante, são incríveis. Fiz inúmeras paradas para contemplar essas paisagens, recobrar energias e seguir. Em certo ponto parei de acompanhar a distância. Estava muito cansado e minha prioridade passou a ser chegar em uma cidade, qualquer que fosse.

Em certo momento estava bastante cansado e precisava parar para comer. Resolvi parar em uma parada de ônibus, protegido do sol e comer o meu almoço, preparado ainda lá no refúgio. O pote térmico mantém bem a temperatura, dessa forma a sopinha estava bem quentinha e foi uma ótima opção para aquele momento. Tinha sódio, calorias e a temperatura que aquece o coração em oposição àquele vento gelado que soprava inclemente. Fiquei ali uns 15 minutos e segui viagem.

Mudança de planos: sai Puerto Montt entra Puerto Varas

O vento inclemente e a instabilidade da bicicleta, principalmente nas rajadas, estavam me deixando bastante preocupado de seguir os meus planos originais. Para completar, o freehub da bike estava fazendo um barulho bastante chato quando eu punha a bike na banguela. Esse barulho já havia começado no Cruce Andino, na parte de terra e estava se mantendo ao longo da viagem. Em terrenos irregulares a situação piorava. Eu ainda não havia conseguido entender exatamente o que estava se passando, a única maneira de o barulho parar era freando a bike bastante: uma bela duma merda numa descida. Estava lá curtindo aquela descida boa e a roda traseira começa a cantar, me obrigando a perder a velocidade e sofrer na próxima subida.

Decidi que abortaria o barco, com dor no coração. A parte de El Chaitén seria bem legal: conheceria o Parque Pumallin cheio de senderos para caminhadas e belezas naturais. Para completar, esse parque tem uma história muito interessante: um magnata americano começou a comprar largas porções de terra na região, criou uma fundação que deu origem ao parque, um pouco dessa história pode ser lida aqui. As estradas na região de El Chaitén são todas de ripio, infelizmente eu achei que seria muito arriscado ir para lá sem ao menos redistribuir a carga na bicicleta e resolvi seguir para Puerto Varas que estava um pouco antes de Puerto Montt.

Essa parte do trajeto não era mais que 15 km mas foram bem duros: o sol estava inclemente cansando bastante, o vento competia com o sol por quem deixava as coisas pior. Nessas condições o cansaço começou a bater. O trajeto nesta região não é isolado, isto é, de tempos em tempos se passa por pequenos povoados, mercadinhos etc, onde se pode reabastecer. Mas em alguns momentos sumia tudo e eu era obrigado a pedalar por longos períodos sem nada. Num desses períodos vi ao longe uma série de bandeiras da Coca-Cola, fiquei naquela indecisão se parava ou seguia. Uma indecisão cruel… Quando estava quase decidindo por seguir adiante lembrei do Paris-Brest, onde fiquei sem energia nenhuma e a única coisa que eu conseguia lembrar é de não ter parado num ponto que tinha uma cokinha a venda eu havia deixado passar, lá na França isso foi decisivo me obrigando a abandonar a prova. Decidi que não ia fazer a mesma cagada de novo.

Um pouco de sódio depois de tanto tempo

A minha indecisão com a Coca-Cola tinha um fundamento. A pandemia havia me distanciado dos exercícios, voltei a ficar acima do peso e, para a minha surpresa, no meu último checkup fui diagnosticado com pressão alta. Não muito alta, mas que me obrigou a tomar remédios para controlar. Desde o momento do diagnóstico disse para mim mesmo que ia fazer o possível para controlar isso, principalmente pelo histórico cardíaco do meu pai. Eu já não bebia muito álcool e reduzi a zero, refrigerante também foi cortado do cardápio, sal igualmente cortado. Industrializados ricos em sódio igualmente cortados. Mas ali naquelas condições havia uma boa justificativa: eu precisava repor o sódio perdido no suor e todo o açúcar da Coca iria me dar energia suficiente para enfrentar aquele vento indecente.

As bandeiras ficavam em frente a um terreno bem grande com um trailer no meio. Cheguei no trailer bem simples e pedi essa graxa açucarada que alegra a molecada. Parei a bike encostada numa latão de lixo e me dirigi a um banco no gramado. Ali fiquei olhando aquela embalagem emblemática, como quem estava prestes a abrir um vinho raro. Vinha na minha cabeça todas as complicações cardíacas do meu pai, o fato de eu já ter passado dos 40 e mais um monte de merda que a gente fica enfiando na cabeça. Fosse eu 10 anos mais novo, teria virado aquela graxa deliciosa sem questionamento algum.

Abri a garrafa e o líquido estava estupidamente gelado, desceu limpando tudo, minha alma, meus pensamento e alegrando minhas células sedentas por açúcar e energia. Fiquei ali por uns 15 minutos, saboreando e ainda me perguntando se eu devia estar bebendo aquilo. É… o Igor depois dos 40 ficou um pouco bundão, só um pouco.

Agradeci a senhora do trailer, subi na bike e rodas na estrada. A resposta sobre se eu fiz a coisa certa, veio na sequência: comecei a girar com um louco, parecia o PacMan depois de comer um vitamina. Meu corpo parecia ter sido possuído por um nitro que me fez pedalar e render muito. Obrigado açúcar, por nos dar essa energia instantânea tão valiosa! O vento continuava inclemente mas parecia não mais incomodar tanto, o sol já estava ficando baixo. O negócio foi segurar firme no drop do guidão, e pernas para que te quero.

A chegada em Puerto Varas foi complicada. Muito trânsito, com carros parados em fila na estrada para poder entrar na cidade. Nesse ponto já não havia mais acostamento o que me obrigava a pedalar bem próximo dos carros parados. Uma tarefa corriqueira para qualquer ciclista urbano, mas que se tornava tensa com a carga da bicicleta. Resolvi ir para calçada, que estava melhor mas ainda assim não ajudava muito por ser estreita e ter muitos pedestres. Fui ziguezagueando entre estrada e calçada até finalmente chegar na cidade. Ali, o dia estava lindo, o lago ostentava um por do sol sensacional com as pessoas ainda se banhando em suas águas mornas. Parei ali para descansar, comemorar mais uma etapa vencida e ver onde ficar.

Puerto Varas está lotada!

Aqui começa uma saga que não estava planejada. Esse tipo de viagem é muito bom pois você se desconecta total das coisas. Não se sabe se é sábado ou terça, não se tem muitas preocupações com horários etc… Quando cheguei em Puerto Varas era sábado de período de férias: alta temporada. Aquele monte de carros em fila para entrar na cidade, devia ter acendido uma luzinha vermelha na minha cabeça, mas nem me liguei.

Procurei pelo Google Maps alguns hostel para ficar, e me dirigi a eles: o primeiro lotado, me indicou outro na mesma rua. Também estava lotado. Fui ao segundo da minha lista, não muito longe dali, também lotado. Me indicaram outro hostel mais longe. Fui até lá e ao chegar lá, também lotado. Aqui nesse hostel havia um grande jardim com lugar para sentar, diante da negativa resolvi pesquisar alguma coisa pela internet e já reservar. Esse lance de ficar indo um lugar a outro com a bike lotada e a cidade com aquele mega trânsito estava muito chato.

Ajeitei a bike, peguei o powerbank para carregar o celular comecei a pesquisar pelo Booking.com. Quase caí de costas com os preços, tudo estava com preços de R$ 1000,00 para cima para a estadia. Nessa altura eu já havia decidido também que ficaria um dia a mais em Puerto Varas. A estrada tinha sido dura e eu precisava de um dia a mais para me recompor e relaxar. Nos resultados do Booking.com, havia somente uma opção mais em conta, o Hostel Viva Chile. A pontuação não era das melhores, mas eu não tinha muita opção neste momento. Fiz a reserva por ali mesmo e me dirigi ao local, que ficava um pouco mais ao centro. Isso foi bom pois já estava saindo da região de badalação e ficou mais tranquilo de pedalar.

O trajeto até o hostel foi tranquilo e me senti com sorte quando vi que ao lado do hostel havia uma loja de bicicletas. Segunda-feira, quando fosse sair seria fácil de comprar o que eu precisava ali. Toquei a campainha e fui atendido pelo Fabrício que foi super atencioso, organizou a minha entrada me apresentou o quarto e o resto das instalações do hostel. O quarto estava limpo e quentinho, tudo o que eu queria naquele momento. Naquelas condições de lotação, somente estavam disponíveis quartos com banheiro compartilhado, não havia muito o que fazer. Isso acabou se tornando um problema. Na hora do banho achei o banheiro bem no limite da limpeza: um ralo sem tampa no meio do banheiro parecia uma colônia de tétano, a banheira e o chuveiro estavam em estado bem precário, não haviam muitos ganchos para pendurar as coisas… Liguei o chuveiro e nada de sair água. Fiquei ali tentando e nada, tive que sair e pedir ajuda ao Fabrício. Ele foi super solícito, me ensinou um truque: além de ligar a torneira tinha que dar uma mexida na ducha para a água sair. Em poucos minutos havia um jato não muito abundante de água quente. Daria para o gasto.

Mandinga feita, vamos tomar banho. Começo lavando os cabelos e na hora de enxaguar a água está fria. Fico por alguns minutos tentando e nada. Bora, se secar, colocar roupa e chamar o Fabrício de novo. Mais uma vez ele foi super solícito e me arranjou um banheiro no segundo andar, dedicado para o único quarto naquele andar. Este banheiro estava bem mais limpo e bem cuidado. Aqui consegui relaxar e me recompor, mas definitivamente essa experiência foi ruim. Ninguém gosta de ter que sair no meio do banho para resolver problemas. Mas com a lotação da cidade eu devia dar graças a Deus de não ter que acampar, não havia muito o que fazer.

Bora cozinhar!!!!

O hostel estava super bem localizado, próximo a uma estação de ônibus intermunicipais (não me servia de nada, mas pode ser útil para outras pessoas), estava a cerca de 500 metros de um bom supermercado e a poucos kilometros de uma região badalada com lojas e coisas para fazer e conhecer perto da orla. Na noite de sábado quando cheguei, antes de qualquer coisa fui ao mercado, precisava me reabastecer para a janta e o café da manhã. Também precisava juntar provisões para os próximos dias: iria começar a entrar em regiões mais remotas, e seria importante ter um mínimo de coisas comigo.

A pior coisa que pode passar quando se vai cozinhar fora de casa é encontrar uma cozinha com panelas mas sem nenhum item básico como óleo, sal, pimenta etc… Já tendo passado por essa experiência em outras situações, dessa vez comprei um kit de temperos. Assim poderia ter comigo o básico para cozinhar sem problemas. O kit vinha somente com os potinhos e resolvi que somente iria abastecê-los em solo chileno. Como eu já sabia que a a aduana chilena era chata com esse tipo de coisa, achei melhor não arriscar de levar o kit cheio e ter que descartar os meus temperos todos na aduana.

O supermercado era grande e consegui abastecer tudo ali: pão, frutas, massas, molhos, temperos e até um azeite pequeno consegui comprar. Também consegui me abastecer de coisas veganas: creme de avelãs vegano e um queijo prato vegano. Na primeira noite, depois do banho fiz uma belíssimo nhoque com molho de tomate, legumes e ervilha: era tudo o que eu precisava, caloria e proteína para me recompor.

A cozinha do hostel estava limpa no limite do aceitável. As panelas estavam ok, mas ficavam guardadas numa armário escuro que dava um pouco de pavor, só de olhar para os lados onde não havia nada. Por via das dúvidas, antes de cozinhar lavei tudo o que ia usar. O fogão era forte para um car**** e a comida cozinhou em tempo recorde! O nhoque desceu redondinho e comi dois pratos numa tacada só. Ainda acabou sobrando um pouco que guardei para o dia seguinte. Essa experiência gastronômica, mesmo que com um pouco de perrengue, foi ótima!

Descanso em Puerto Varas

A noite de sono foi encantadora, apaguei e dormi profundamente. A cama do hostel estava realmente muito confortável e quente. No dia seguinte levantei tranquilo e preguiçosamente como há muito não fazia. Me levantei, comecei a atualizar a minha família de onde estava e como estavam indo as coisas e segui para tomar um café da manhã! Queria aproveitar para descansar e conhecer a cidade.

O café da manhã foi ótimo, uma moça chilena estava em viagem com a sua mãe e tomavam café ao mesmo tempo. Agarramos em um bom papo e ficamos conversando sobre a minha viagem e a dela e trocando ideias sobre lugares a conhecer na Patagônia. Ela já havia estado mais ao sul e me deu dicas de locais para conhecer, também me disse que mora mais ao norte e me deu dicas do que conhecer por lá também. Contei do rolê até aquele momento e foi uma conversa bastante divertida. Após o café elas saíram para conhecer os Saltos Petrohue e eu fui pedalar pela cidade.

Pedalar por Puerto Varas, sem carga foi uma delícia. Antes de sair, procurei opções veganas pela cidade e encontrei um food truck super recomendado no Google Maps. A ideia era sair para conhecer, depois ir até esse local para almoçar. A cidade de Puerto Vartas é bem gostosa, tem umas partes com ciclovias, está na beira do lago o que garante um clima super gostoso para o local. Andar pela orla é uma delícia, o sol forte é refrescado por conta da brisa que vem do lago, na verdade vento mesmo, auhjeuaheuaheuah! Fiquei ali, andando sem rumo, conhecendo o que o lugar tinha a oferecer. Quando vi já era hora do almoço: fui para o Bless Yuz

Fim da praia com comida e uma vista maravilhosa

O Bless Yuz fica no fim da rua, num mirante com outros food trucks. Cheguei ali e queria pegar tudo: tinha bebida, sorvete, doces e sanduíches. O food truck é super pequeno, operado somente por mulheres super simpáticas e solícitas. Senti ali uma enorme good vibe. Gente trabalhando feliz e no que acredita. Um dos poucos lugares onde vamos e nos sentimos rodeados por pessoas felizes. Pedi um suco revigorante do cardápio, mais um Falafel Deluxe turbinado e um kombuchá: o dia estava quente e eu precisava me refrescar já, não dava para esperar o suco ficar pronto!

Enquanto o meu pedido era preparado, fiquei fazendo vídeos e fotos do local. No meio do mirante onde ficavam os food trucks, havia uma enorme escultura de aço. Era o mesmo artista da escultura de Petrohue, uma visão bastante bonita. Fiquei ali admirando a orla toda, revisando o trajeto até aquele momento e vivendo aquela felicidade. Faziam poucos dias que minhas férias haviam iniciado, mas já estava bastante desligado de tudo. Mau sabia que dia da semana era. Para completar todo o pedal estava me ajudando a entrar em forma novamente. Me sentia bem física e psicologicamente.

Aqui percebi que o vento na Patagônia não é brincadeira. Enquanto eu ficava “pagando” de bloguerinho por aí, a bike foi derrubada duas vezes pelo vento. Numa delas enquanto eu gravava um vídeo. Puta susto seguido do medo de ter quebrado algo importante!!! Nada aconteceu, e fui obrigado a mudar a bike de posição. O vento é forte e em diversos momentos faz umas rajadas fortes, nessas horas a bike balançava bem. Esse vento iria me acompanhar por toda a viagem, sendo o tempo todo uma relação de contemplação e ódio!

Em pouco tempo minha comida ficou pronta. Devorei aquele falafel delicioso como se fizesse anos que eu não comia nada. O sanduíche também veio acompanhado de batatas fresquinhas e crocantes e de um suco revigorante. Enquanto eu saboreava essa comida deliciosa e feita com muito carinho, fiquei pensando que a frase escrita no food truck era pura realidade:

Que tu alimento sea tu medicina

É tão raro comermos algo que realmente nos alimente. Quantas vezes comemos sem saborear, apenas para suprir nossos corpos de energia e seguir a vida? Quantas vezes comemos de forma desenfreada para satisfazer uma apetite absurdo por quantidades enormes de comida? Quantas vezes deixamos nossa saúde de lado por prazeres ou exageros gastronômicos? Não quero aqui pagar nem de certinho nem de santo, ou ser o definidor o que é certo ou errado. Mas essa viagem me serviu também como reflexão: quantas coisas acontecem em nossas vidas que nos afastam do que gostamos, nos afastam do nosso auto cuidado, nos afastam de nossa saúde? Quanto tempo fazia que eu não praticava meus exercícios como sempre pratiquei e gostei? Pouco a pouco, pelos inúmeros problemas do dia a dia, vamos nos afastando de tudo e pior achando tudo isso normal. Se em algum momento, não paramos e colocamos as coisas no rumo certo, corremos sérios riscos de chegamos aos 60 ou 70 com problemas de saúde e ainda nos questionando o que mudou, em que ponto deixamos as coisas irem ladeira abaixo.

Essa reflexão aqui não é para todo mundo parar o que estiver fazendo, ir para a Patagônia e viver uma vida sem excessos. Nada disso, mas meu objetivo é deixar claro que é muito fácil darmos desculpas. Hoje estou exausto vou pedir uma pizza. Nossa que semana horrível, não vou para academia. Velho do céu que projeto difícil, vou ficar esse mês sem fazer tais e tais coisas… Eu estou tentando colocar as coisas nos eixos, entendendo que o Igor de 20 anos atrás tinha outro corpo, outra idade e outras responsabilidades. E que seu não fizer nada, talvez não haja um Igor de 70 ou 80 anos. São poucas mudanças que lá na frente farão uma diferença enorme, não precisa parar com tudo se não quiser, não precisa ser radical. Mas também não precisa achar que tá tudo certo e que não precisa mudar nada. Talvez os hábitos que nos trouxeram até aqui, não sejam os mesmos que garantirão a saúde para os mesmo próximos anos.

Depois dessa pausa filosófica, desencadeada por um simples falafel feito com esmero e carinho, era hora de voltar a girar. Antes, resolvi tomar um café num food truck próximo. Há dias que não tomava um bom espresso e quando vi que havia uma verdadeira cafeteria num food truck ali perto, não resisti. Infelizmente não tenho o link deles, que parecem também não estar no Google Maps. Mas o bom é que eles tinham diversos tipos de café e de diversas origens. Inclusive brasileiro de Poços de Caldas. Conversei com o barista que me aconselhou a tomar o espresso com o grão do dia, do Equador. Fiquei curioso com esse café de Poços, mas achei que tinha andado para muito longe para tomar café brasileiro. Voltando ao Brasil, minha casa está cheia de grãos brasileiros, aqui vou experimentar o que o barista indicar!

A bebida veio perfeita, encorpada e sem muita acidez. Um café saboroso, com uma crema generosa que eu fiquei ali saboreando apesar do dia quente.Quase comprei um café para levar, mas não ia usar durante a viagem e seria um peso desnecessário para carregar. Enquanto saboreava aquela bebida deliciosa, um cãozinho bem velhinho se aproximou, esses bichinhos são a magia do rolê e fazem esses momentos mais acolhedores. Fiquei ali fazendo um pouco de carinho nele e ouvindo o rádio o que tocava uma versão bem peculiar de “Borbulhas de Amor”. Findo mais esse momento de desconexão, era hora de bater mais pernas pela cidade.

Centrinho de Puerto Varas

Me dirigi ao centrinho de Puerto Vartas, eu havia decidido que uma mochila de hidratação seria uma boa. Eu havia instalado suportes de garrafinha atrás do banco da bike, mas isso não estava dando certo. Toda vez na hora de subir na bike chutava uma das garrafinhas. A frequência de chutes era proporcional ao meu cansaço. Para completar as garrafinhas ficavam bem “para fora da bike”, meio que como asas. Isso fazia com que elas enroscassem em tudo. Na parada no mercadinho, antes da subida do Volcán Osorno, já arrebentei um dos suportes que ficou preso na cerca onde apoiei a bike. A ideia era deixar o suporte ali só para manter a estabilidade da carga traseira e usar uma mochila de hidratação para efetivamente carregar água.

O centrinho da cidade é bem engraçado: estamos em uma cidade litorânea mas, vemos além de lojas vendendo coisas de verão vemos lojas vendendo coisas de esportes de neve e escalada. Não é de estranhar, dada a presença dos diversos pontos de esqui próximos mas é bem incomum e chama a atenção de nós brasileiros. Os preços das coisas estavam bem salgados, diversas peças de vestuário para montanha sensacionais, mas acabei não levando nada. Depois de um tempo sem achar a bendita mochila, já estava meio sem esperanças, mas na última loja encontrei por um preço ok: CLP 25000 (R$ 160,00), achei que valia a pena e levei. Essa foi uma das melhores decisões do rolê, essa mochilinha ajudou bastante durante todo o resto da viagem.

Fiquei andando bastante por ali. Além dessas lojinhas badaladas, haviam duas feirinhas de artesanatos bem legais. Dava vontade de levar lembrancinhas para um monte de gente. Mas em viagem de bike tudo que se compra, é você quem carrega. Não comprei nada e fiquei somente apreciando mesmo. Descobri que a cidade tinha um morro, o Cerro Philippe, com uma vista legal, resolvi ir para lá. Não era alto e nem longe, não ia atrapalhar o meu descanso.

Cerro Philippe

O trajeto ao Cerro Philippe era curto de uns 3 ou 4 km, fui até lá e quando cheguei fiquei bastante surpreso: há um bike park, mantido pela própria prefeitura de Puerto Varas, dentro do lugar.. O local estava perfeito, com bastante sombra, poucas subidas e muita tranquilidade. No parque, pedestres e ciclistas praticando downhill convivem em harmonia. Há bastante sinalização explicando o que o pode e o que não pode e onde.

Subi a estradinha rumo ao topo bem rápido e sem muito esforço: como é bom estar sem carga! No topo do morro tem uma pracinha com um pequeno mirante e muitas árvores. Contava também com um gramado enorme convidando para uma tarde de descanso e contemplação. Antes de me deitar na relva fresca fui dar uma olhada nas pistas de donwhill.

O bike park não é muito grande, mas conta com 3 ou 4 pistas com níveis de dificuldade distintos, está super bem cuidado e sinalizado e é possível ver bastante gente subindo para o início das pistas. Passei por elas para conhecer e o estado de todas elas está ótimo, com suportes de madeira nos pontos de saltos ecurvas em ângulo bem feitas e mantidas. Achei a iniciativa super interessante, e já pensei diversas veze que poderíamos ter algo assim em São Paulo. Fiquei neste parque a tarde toda e era possível ver famílias curtindo a tarde e ciclistas fazendo suas manobras radicais em harmonia.

Na pracinha no alto do morro, fiquei ali olhando aquela calmaria toda, me encostei numa árvore e fui me aprontando para entrar num estado bastante incomum para mim: o de não fazer absolutamente nada.

Antes de sair do Bless Yuz, eu comprei umas sobremesas. Elas tinham diversas sobremesas crudiveganas, resolvi provar. Aquele cenário do Cerro Philippe, de calmaria, estava perfeito para descansar saboreando esses quitutes. Fiquei ali tomando uma águinha refrescante e comendo meus docinhos sem medo de ser feliz. Coloquei o Spotify para tocar qualquer coisa, me deitei sobre a grama fresca e deixei a minha mente ir longe.

Fiquei ali num misto de revisão da viagem, vislumbrando os próximos passos e pensando na minha vida. Apaguei por um tempo. Fazia realmente bastante tempo que eu não fazia absolutamente nada e eu estava adorando a sensação. Fiquei ali umas boas horas. O dia ainda estava bastante claro, mas já começava a dar sinais que já passavam das 6. Na Patagônia nesses dias de viagem o sol forte fica no céu das 3 em diante, como sentia que o sol já estava mais tranquilo vi que já estava ficando tarde. Precisava comprar mais algumas coisa coisas no mercado resolvi vazar.. Como o mercado ficava num local que tinha estacionamento em subsolo achei melhor deixar a bike no hostel e ir a pé.

Fim do dia em Puerto Varas

Depois de um dia de tanto descanso era hora de me preparar para cair na estrada. Durante a noite fiz uma jantinha com bastante sustância: arroz integral com legumes, lentilhas e parte do nhoque que havia sobrado da noite anterior. Carboidrato, fibra e proteína: tudo para deixar o corpo preparado para o dia seguinte. Aproveitei para encher o kit de temperos, que se provaria bastante útil nas etapas seguintes.

Fiz minha jantinha e já comecei a deixar as minhas coisas no jeito. Depois de alguns dias na estrada com mais carga que nas outras cicloviagens que eu fiz, eu estava demorando bastante tempo para sair. Perdia muito tempo organizando tudo. Acho que outro fator que contribuía bastante é o fato de escurecer tarde. Eu acabava invariavelmente indo dormir tarde, e com isso acordando mais tarde. Em alguns dias também estava bastante frio de manhã, o que me prendia um pouco mais na cama antes de ter coragem de sair para a rua.

Nessa noite de descanso aproveitei para verificar o trajeto, seguiria até Caleta La Arena, onde pegaria uma balsa, logo depois da balsa e já tendo completado cerca de 70km, era hora de parar. Com medo de me passar o que se passou em Puerto Varas, já fiz uma reserva por Whatsapp em um camping: o destino final do dia seguinte já estava traçado. Também resolvi não tomar banho, o dia tinha sido muito tranquilo e eu não estava nem um pouco a fim de encarar o precário banheiro do hostel de novo.

Muita enrolação até cair na estrada

O maior problema era que nessa segunda-feira eu precisava chegar na loja de bike na hora que ela abrisse, para ser atendido logo e isso não atrasar a minha saída. Fiz isso, logo cedo fui para a Blackline, loja ao lado do hostel, e ao chegar já havia uma pessoa sendo atendida. Esperei um tempo a conversa acabar, sobre uma peça muito específica que não se encontrava em lugar nenhum para a suspensão do cara. O vendedor insistia que não havia nada que ele pudesse fazer, pois não havia representação daquele fabricante no Chile e que qualquer coisa que ele fizesse seria arriscada. O cliente parecia insistir e o vendedor repetir. Isso só aumentava a minha impaciência.

Ao fina da conversa fui finalmente atendido, era uma loja da Specialized lotada de bikes de downhill e elétricas de MTB, o vendedor me trouxe o único bagageiro que tinham. Não era o melhor do mundo, mas era um Specialized e aguentava até 25kg. Achei que valeria a pena comprar ali mesmo e encerrar o assunto. Comentei com ele sobre o freehub e ele me disse que eu deveria deixar a bike ali por alguns dias. Mesmo eu tendo explicado para ele que estava seguindo a Carretera Austral, puta falta de noção. Ele nem perguntou para o mecânico, simplesmente falou que não e pronto. Perguntei se ele também poderia instalar o bagageiro, ao que ele me disse que não, pelo mesmo motivo anterior: a oficina estava lotada. Ele me recomendou uma loja especializada em Bike Packing chamada Ruedas Al Sur, mas fiquei na dúvida se ia até lá e depois voltava para hostel para vazar. Achei melhor encerrar o assunto ali mesmo e partir logo para a estrada, mas não foi tão simples assim.

Ao instalar o bagageiro descobri que o meu parafuso para instalação da base era maior que o furo do bagageiro e precisaria de uma ajuda para instalá-lo. Levei a bike de volta, com todas as peças do bagageiro agora soltas para ver o que poderiam fazer. O cara pediu para eu levar a bike à oficina onde o mecânico prontamente ajudou alargando os furos e me fornecendo dois parafusos maiores. A oficina tinha muitas bikes, mas o meu serviço não demorou mais que 20 minutos. Faltou tato do cara anteriormente, pelo menos no caso da instalação. No fim voltei para o hostel e vi que havia colocado o bagageiro ao contrário, tive que soltar tudo e arrumar. Nesse processo perdi um parafuso e me deu um puta trabalho encontrá-lo no quinta to hostel. Ao fim de muita novela, instalei tudo, coloquei os alforjes e estava com tudo pronto para ir embora. Pus a bike na rua e quanta diferença ter a carga distribuída. Era visível como havia ficado muito mais simples de guiar e controlar. Estava decidido a ir embora, mas mudei de ideia e decidi ir a Ruedas Al Sur. Parte de mim dizia: você vai passar raiva, vai ver que lá tinha mais opções e você gastou nesse atendimento mais ou menos da Blackline.

No fim das contas foi mais ou menos isso! auheuaheuaue Primeiro que a Ruedas Al Sur tinha muito mais opções de bagageiros, na entrada já encontrei um típico cicloturista europeu com sua bike pesadamente carregada conversando. O showroom da loja tinha de tudo: bagageiros, bolsas, alforjes, inúmeros acessórios, fitas para amarrar tudo, muita coisa de camping própria para quem pedala. Foi animal. Comprei um alforje pequeno parta distribuir um pouco mais as coisas. Na minha situação atual o ideal era colocar os dois alforjes maiores atrás, mas o suporte de água que ainda estava presente, não deixava. Então o equipamento de camping ia atrás e o alforje com minhas roupas ia na frente. O alforjinho pequeno ia ajudar a colocar um pouco mais de carga atrás. O dito cujo estava barato, somente CLP 25000, o mesmo preço da mochila de hidratação. Não era super necessário, mas iria ajudar. No final foi ótimo. Queria muito pedir para ele revisar o freehub, mas com todo o rolo já era MEIO DIA e eu ainda não tinha caído na estrada. Resolvi seguir viagem com o freehub daquele jeito mesmo, não havia muito o que fazer. Só sei que esse freehub iria me deixar inseguro em outras etapas mais para frente.

Caindo na estrada

Coloquei as botas de caminhada dentro do novo alforjinho e alguns casacos também, assim eu conseguia colocar mais peso e certo volume para a traseira da bicicleta. Vazei, liguei o Strava e como esse trecho era bem urbano, achei melhor por no Google Maps para eu não me perder em locais mau sinalizados. Rumei em direção o centro de Puerto Varas e em pouco tempo já estava na estrada. Agora era só seguir as placas e ser feliz: tinha 70km pela frente, a bike estava 90% em condições e o dia estava lindo.

O negócio era cair na estrada, curtir o visual e continuar desligando de tudo!

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